Frio do Camandro
Frio do Camandro
By Me
O Som arrepiante do tlm entra-lhe pelo ouvido, com um olhar desesperado confirma no relógio digital que são 8:00 da manhã.
Com um movimento retardado pressiona a tecla verde da maquineta e diz:
-"Tá!!!!"
Uma voz alegre e divertida responde.
-"É pá, bom dia, combinamos às 11:15 na esquina da rua do Alecrim com a Menezes Pereira, não te esqueças dos documentos"
-"Ah és tu, ok, tou lá a essa hora, um abraço."
-"Ok, fica combinado."
A manhã estava fria, aliás muito fria, como já não acontecia há uns para cá em Lisboa. Após um banho quente, o frio rasgava a pele enquanto ele se vestia numa manhã de inverno.
A porta do elevador fecha-se nas costas e um andar lento e desanimado chega a porta do prédio, uma neblina baixa deixa adivinhar os movimentos dos pedestres ao longo do passeio que ladeia a Rua da Palma, o frio enche-lhe os pulmões e com um suspiro ele mergulha na multidão arfante.
10:30, uma chama ergue-se em direcção à cara que por momentos parece um folha de papel com duas azeitonas negras no meio, o cigarro queima e ele arrasta-se no meio da multidão.
Um leve gesto ajeita o cachecol que descaía sobre a gola de um sobretudo azul e gasto. Olha para a banca das revistas e pede a ultima edição da revista National Geographic.
Deposita as moedas nas mãos gastas do jornaleiro e junta a revista de moldura amarela ao monte de documentos que trás na mão.
Uma voz rouca e antipática ecoa nos seus ouvidos dormentes
-"Pois é, isto hoje tá gelozito amigo."
Numa tentativa forçada para mexer os maxilares endurecidos pelo frio, ele responde.
-"Odeio Frio, pelos vistos o dia vai-me correr mal."
-"Beba uma ginja que isso passa, faltam 2 cêntimos, a revista aumentou amigo."
Num movimento brusco ele tira os dois cêntimos e despeja nas mãos rudes e sujas do jornaleiro.
-"Desculpe, não sabia, obrigado."
-"De nada, é a crise amigo."
Era nestes dias que eu gostava de ter o poder de levitar e caminhar ao longo das vias, pensava ele.
11:00, na esquina da rua do Alecrim, o movimento era enorme, uns carros fumegantes paravam no semáforo, as caras dos condutores mais pareciam assombrações num misto de frio e sono. Ele pára. Encosta-se numa parede cinzenta e suja, folheando as páginas da revista de moldura amarela abstraí-se do som ensurdecedor das ruas.
11:15, a leitura parecia uma tortura, o vento que corria pela alameda parecia desafiar a chuva que começara a cair há 5 minutos, numa espécie de corrida. A esquina da rua do Alecrim é a curva mais perigosa da pista onde corriam os elementos. A água parecia ganhar o vento, a julgar pela quantidade de gotas que o atingiram na face, cada uma com a agravante gelada de o picar como uma agulha.
11:30, era claro no relógio da farmácia que estava em frente, as letras vermelhas rasgavam a neblina e penetravam-lhe os olhos como que avisá-lo dos 15m de atraso do amigo.
12:00, as letras vermelhas eram implacáveis, mas nada que se compare com o frio que naquele momento o trucidava e que só 90% do seu corpo o sentia, isto porque o sangue já há muito que havia desistido de lhe visitar os pés e as mãos. Desesperado, ele saltitava, numa tentiva de obrigar o sangue a sentir o frio.
12:15, a chuva tinha parado, um mendigo que por ali passava olhou-o nos olhos com um ar de indiferença e num gesto instintivo estendeu-lhe a mão como que a pedir uma gratificação.Com um olhar petrificado e sem qualquer movimento corporal, ele relegou o pedido.O desespero era tão grande como o frio. Após apagar o cigarro e numa manobra de evasão mental, ele desata a arfar bolas de vapor de água.
12:25, finalmente, e em direcção a ele dirige-se um individuo de estatura média, com um cabelo despenteado e ar apressado, chegando-se ao perto dele e num tom de voz animado e reconfortante diz-lhe:
-"Olá, tás bom, trouxeste os documentos?"
Petrificado e com indiferença e com um olhar raiado de sangue, sem ninguém adivinhar, num movimento brusco ele empurra-o para debaixo do eléctrico que por ali passava.
The End
By Me
O Som arrepiante do tlm entra-lhe pelo ouvido, com um olhar desesperado confirma no relógio digital que são 8:00 da manhã.
Com um movimento retardado pressiona a tecla verde da maquineta e diz:
-"Tá!!!!"
Uma voz alegre e divertida responde.
-"É pá, bom dia, combinamos às 11:15 na esquina da rua do Alecrim com a Menezes Pereira, não te esqueças dos documentos"
-"Ah és tu, ok, tou lá a essa hora, um abraço."
-"Ok, fica combinado."
A manhã estava fria, aliás muito fria, como já não acontecia há uns para cá em Lisboa. Após um banho quente, o frio rasgava a pele enquanto ele se vestia numa manhã de inverno.
A porta do elevador fecha-se nas costas e um andar lento e desanimado chega a porta do prédio, uma neblina baixa deixa adivinhar os movimentos dos pedestres ao longo do passeio que ladeia a Rua da Palma, o frio enche-lhe os pulmões e com um suspiro ele mergulha na multidão arfante.
10:30, uma chama ergue-se em direcção à cara que por momentos parece um folha de papel com duas azeitonas negras no meio, o cigarro queima e ele arrasta-se no meio da multidão.
Um leve gesto ajeita o cachecol que descaía sobre a gola de um sobretudo azul e gasto. Olha para a banca das revistas e pede a ultima edição da revista National Geographic.
Deposita as moedas nas mãos gastas do jornaleiro e junta a revista de moldura amarela ao monte de documentos que trás na mão.
Uma voz rouca e antipática ecoa nos seus ouvidos dormentes
-"Pois é, isto hoje tá gelozito amigo."
Numa tentativa forçada para mexer os maxilares endurecidos pelo frio, ele responde.
-"Odeio Frio, pelos vistos o dia vai-me correr mal."
-"Beba uma ginja que isso passa, faltam 2 cêntimos, a revista aumentou amigo."
Num movimento brusco ele tira os dois cêntimos e despeja nas mãos rudes e sujas do jornaleiro.
-"Desculpe, não sabia, obrigado."
-"De nada, é a crise amigo."
Era nestes dias que eu gostava de ter o poder de levitar e caminhar ao longo das vias, pensava ele.
11:00, na esquina da rua do Alecrim, o movimento era enorme, uns carros fumegantes paravam no semáforo, as caras dos condutores mais pareciam assombrações num misto de frio e sono. Ele pára. Encosta-se numa parede cinzenta e suja, folheando as páginas da revista de moldura amarela abstraí-se do som ensurdecedor das ruas.
11:15, a leitura parecia uma tortura, o vento que corria pela alameda parecia desafiar a chuva que começara a cair há 5 minutos, numa espécie de corrida. A esquina da rua do Alecrim é a curva mais perigosa da pista onde corriam os elementos. A água parecia ganhar o vento, a julgar pela quantidade de gotas que o atingiram na face, cada uma com a agravante gelada de o picar como uma agulha.
11:30, era claro no relógio da farmácia que estava em frente, as letras vermelhas rasgavam a neblina e penetravam-lhe os olhos como que avisá-lo dos 15m de atraso do amigo.
12:00, as letras vermelhas eram implacáveis, mas nada que se compare com o frio que naquele momento o trucidava e que só 90% do seu corpo o sentia, isto porque o sangue já há muito que havia desistido de lhe visitar os pés e as mãos. Desesperado, ele saltitava, numa tentiva de obrigar o sangue a sentir o frio.
12:15, a chuva tinha parado, um mendigo que por ali passava olhou-o nos olhos com um ar de indiferença e num gesto instintivo estendeu-lhe a mão como que a pedir uma gratificação.Com um olhar petrificado e sem qualquer movimento corporal, ele relegou o pedido.O desespero era tão grande como o frio. Após apagar o cigarro e numa manobra de evasão mental, ele desata a arfar bolas de vapor de água.
12:25, finalmente, e em direcção a ele dirige-se um individuo de estatura média, com um cabelo despenteado e ar apressado, chegando-se ao perto dele e num tom de voz animado e reconfortante diz-lhe:
-"Olá, tás bom, trouxeste os documentos?"
Petrificado e com indiferença e com um olhar raiado de sangue, sem ninguém adivinhar, num movimento brusco ele empurra-o para debaixo do eléctrico que por ali passava.
The End
2 Comments:
Já pus garras, brigadão por tudo...bjokinhas****
Com o frio todo que descreves aqui, eu faria o mesmo.
Um bem haja Garras
Miguel
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